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COVID-19: Diário de Quarentena - Dia 14

     As notícias não são boas. Na verdade uma notícia é péssima.
Ontem dia 30 de março de 2020, a May foi embora. Sim, ela literalmente "criou asas e voou".
     Foi assim: a Teka gosta muito de olhar pela janela e fofocar comigo sobre os vizinhos, ela pode parecer uma cachorra, mas é uma velha fofoqueira que gosta muito de um barraco. Nesse dia eu peguei ela pra colocarmos as novidades em dia enquanto segurava ela para olhar pela janela. A May não gosta de janelas... ela morre de medo! Era algo desconhecido e absurdo para ela, se eu a levasse no dedo próximo da temida janela ela voava para o sentido contrário. Mas ao mesmo tempo ela ama pousar nas nossas cabeças, nunca entendi a emoção... talvez, porque ela gostava de joguinhos " e aí, humana, será que hoje cago na sua cabeça ou de novo nos seus cadernos?". Normalmente, ela preferia pousar nas cabeças quando estávamos ocupadas lavando vasilha. Nunca deixávamos, a gente tirava ela e colocava em outro lugar (em cima da geladeira, na mesa, no chão). Mas ela era insistente, então, às vezes, prendíamos ela na gaiola para poder fazer o serviço em paz. 
     No dia que ela foi embora, soltamos ela pela manhã assim que acordamos, como todos os dias, ela sempre muito feliz, dava sua primeira voada do dia, fazendo um show de acrobacias no ar e piando loucamente! Depois ela parava em algum canto e ficava conversando fiado ou só na dela olhando os átomos ao redor. 
     Voltando para situação de fuga. Eu estava com a Teka no colo olhando a janela e então a May teve a súbita vontade de ir na minha cabeça, mesmo estando tão perto da janela aberta. Eu tomei um susto e abaixei a cabeça assim que garrinhas dela encostaram em mim. Infelizmente, ela também se assustou...E com a inércia, foi um pouco mais pra frente do que o esperado e saiu pela janela. Foi tudo muito rápido, mas deu pra perceber que ela não tinha entendido o que tinha acontecido. Voou mais e ,numa fração de segundo, não sabia onde estava, piando loucamente como quando soltamos pela manhã. Dessa vez ela voou o mais lindo que já voou, deu duas voltas na minha frente e então quando a chamei ela veio e passou por cima do prédio, não vi para onde foi.
     Logo, gritei para Arthur e disse que ela tinha fugido, ele teve um ataque de risos, risos certamente de desespero. Eu coloquei uma roupa e desci atordoada. Rodei o quarteirão e os cantos do bairro por 4 horas. Assobiando e gritando o nome dela. As vezes, algumas calopsitas respondiam num local cheio de casas. Como eu queria que fosse ela.
     Não tenho impressora, algumas pessoas maravilhosas imprimiram muitas folhas dela em colorido e eu saí distribuindo nos condomínios próximos. Na noite do mesmo dia fiz cartazes e hoje os colei pelo bairro, nos pontos de ônibus e em alguns estabelecimentos que deixaram. Acordei bem cedo as 6 da manhã para aproveitar a calmaria e ver se conseguia escutá-la. Assobiei pelo entorno dos quarteirões e nas proximidades. Mas não obtive resposta.
     O mais triste foi que eu não pude me despedir e na verdade não sei se quero. Essa incerteza de não saber se ela esta bem, se encontrou uma nova casa ou se está passando fome. Cara, perder um bichinho não é fácil. Quando morre, a dor é devastadora. É bem diferente quando eles fogem... a dor dói aos poucos, vai apertando o coração a cada pensamento: "será que alguém achou ela?", "será que se alguém achou ela, vai cuidar com tanto amor?", "será que vão maltratá-la?". 
     Ainda existe esperança, apesar da primeira reação de muitas pessoas ter sido, "nossa já era", "ah, não volta não" ou "você arruma outra". Houve muita gente que me deu força, torcendo para que pudéssemos encontrá-la, outras pessoas compartilharam suas experiências e isso aqueceu meu coração. Anunciei a fotinha dela em vários sites e aguardo ansiosamente uma ligação. 
     Deus é Deus. E eu espero nEle. 

     Essa é a fotinha que eu enviei em vários sites e grupos de Whatsapp.

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